Eu nasci Agostinho Manuel Amade e me transformei em Agostinho Muliyala: o esquecido, até o dia no qual o maior ciclone que já atingiu a costa africana tirou-me do esquecimento e fez-me lembrar de que nasci para os versos, que nasci para vencer o vento e espalhar poesia pelo ar, tempestade de palavras e de sentimentos doces a destruir a tristeza e o tédio. Ciclones de esperança para um povo cansado de ser muliyala. Hoje, tenho trinta e quatro (34) anos de idade, nasci e vivo no que restou de Moçambique depois do Freddy. Sou casado com Esmenia e pai de três filhos, que são minhas inspirações: Delfina, a minha primogênita, tem doze anos, Rogério tem dez, e Gabriela, a caçula, tem apenas cinco anos. Antes do sopro impiedoso de Freddy, eu trabalhava como carpinteiro, mas sou formado em contabilidade e poeta de nascimento. Moro com mais sete pessoas, no que restou da minha casa, na cidade de Lichinga, zona norte do país. Enquanto laborava como carpinteiro, estudei com sacrifício, sempre a sonhar que poderia construir um futuro melhor para meus filhos e para meu país. Mas Freddy, com seu sopro destruidor, fez o céu chorar chuvas de tristeza por dias sem fim, fez o mar entrar em fúria contra a terra e destruiu, além das casas, dezenas de vidas e trinta milhões de sonhos. Nos escombros da minha terra, eu procurei motivo para continuar a sonhar, para acreditar que meus filhos terão um futuro diferente e melhor do que este de agora. Penso que o Freddy pode destruir a minha casa, a minha terra, a minha gente e até o meu corpo, mas jamais afetará a minha alma de sonhar um futuro melhor. Também sei que, em muitas partes do mundo, tem gente que, como eu, sonha sonhos que parecem impossíveis, mas que se tornam realidade diante de nossos olhos incrédulos. Freddy passou com fúria, destruiu meu país, matou meus irmãos... Entretanto, eu sobrevivi e agora não me permito outra saída, por mim, por você e por eles: serei poeta e feliz! Sempre me lembrarei disso, pois eu sou Agostinho Muliyala!
